UM OLHAR PSICANALÍTICO SOBRE O PROTAGONISMO JUVENIL, O ENSINO E A APRENDIZAGEM
Por Wagner Chagas de Menezes - Psicanalista e Professor.
Apresentação
A própria etimologia da palavra “protagonista” nos diz muito sobre sua aplicação em projetos educacionais. Protagonista é a junção de dois etmos gregos: (prótos) = primeiro [mais] (agonistès) = ator, lutador. Em grego, ἀγωνιστής (agonistès = corredor) do ponto de vista heróico, é aquele hoplita que se lançava correndo ao primeiro combate. Então, o protagonista é aquele que está na linha de frente da sua própria luta; é aquele que não tem medo de primeiramente se expor e dar o primeiro combate, seja contra um obstáculo ou ameaça (prótons+agon= primeiro combate).
Na língua portuguesa, protagonista é
um adjetivo e substantivo de dois gêneros, cuja palavra tem origem na
história do teatro e diz daquele mais importante personagem do teatro grego
clássico, em torno do qual se construía a trama; ficando na história do teatro
como aquele que representava esse papel: protagonista.
Com o passar do
tempo, passou-se a ser exigido do escolar que ele realmente fosse o mais importante
personagem da sua vida. Este jovem deveria imprimir permanentemente a sua marca
diretamente na sua autoeducação por meio da noção do binômio “aluno-protagonizador”. Assim, criaria ele mesmo seus projetos de
interesses a partir de suas necessidades e da comunidade na qual está inserido,
social e culturalmente.
Aqui cabe
ressalvar que não é isso o que propõe o chamado “Novo Ensino Médio” brasileiro,
instituído pelo atual governo federal. No
lugar do protagonismo juvenil de que fala esse texto, seus defensores propõem o binômio “aluno-empreendedor”, segundo as leis do mercado. Isso se dá não como na equidade, mas na desfaçatez do uso que fazem da expressão
“meritocracia”. Trata-se de uma leitura
maquiavélica e classista de desejos ideológicos e de mercado que está representado, cujo efeito secundário será lançar a juventude brasileira na total ignorância e apatia,
desprovendo-a dos recursos intelectuais que a permitiriam questionar o poder;
qualquer forma de poder. Isso sem contar a evasão escolar...
Na prática, para
que o adolescente adquira e amplie seu repertório interativo,
professores-funcionários-direções devem proporcionar oportunidades para que o
estudante aumente a sua capacidade de protagonizar a sua intervenção e a sua construção
ativa do cotidiano da sua escola e da sua comunidade. Deve-se fazer isto muito
mais iluminando os possíveis caminhos a seguir do que impondo uma rota e
roteiros predeterminados.
Também tem sido
nítido que o Protagonismo Juvenil melhora as relações sociais e afetivas no
interior da comunidade escolar, com reflexos positivos no desempenho acadêmico
e comportamental. Ele contribui, decididamente, para o desenvolvimento das
aptidões do estudante e o introduz no exercício do ato político como fundamento
de uma cidadania ativa.
O Projeto Protagonismo
Juvenil: uma prática libertária para o questionamento da teoria do poder
Chegamos ao
ponto. Este texto é uma pequena
contribuição no sentido de pensar o protagonismo juvenil. Queremos estabelecer
uma possível leitura que fundamente o protagonismo juvenil do ponto de vista
teórico, ainda que de forma embrionária. Não obstante a sua importância e em
função da sua complexidade, a proposta educacional de ação estudantil por meio
do protagonismo juvenil ainda está a exigir um debate teórico-metodológico que
aprofunde a sua fundamentação.
O Protagonismo
Juvenil (doravante denominado PJ nesse texto) parte do conceito de empoderamento.
Não obstante a presença da pedagogia na antecâmara da formulação deste texto, a
ênfase teórica está na interface do conhecimento psicanalítico aplicado à
Educação. Exatamente por isto, o uso do conceito de empoderamento se dá
pela lógica da noção de investimento, como o pensa a Psicanálise. Nesse sentido, o poder é abordado muito mais
pela sua vertente simbólica do que institucional. Daí que o centro teórico
deste trabalho é que só pode empoderar quem tem poder para investir
no outro. Mas não qualquer poder institucionalizado, mas sim o poder simbólico.
No âmbito
escolar, este poder precisa ter sido estabelecido antes de ser investido no
outro. Por isso mesmo é preciso a formulação de um tempo/espaço em que
professores possam estabelecer uma troca simbólica que permita a eles
oportunidades de ocupar um lugar no inconsciente dos alunos. Este processo pode
se iniciar com projetos que chamaremos, genericamente, de Projetos de
Orientação Educacional e Social para a Cidadania. Estes devem continuar
acontecendo mesmo durante o andamento operacional do PJ, na forma de
capacitação dos alunos, monitoramento e avaliações periódicas dos resultados.
Este processo busca convergir o que há de salutar na cultura local com os
valores consolidados e socialmente aceitos das sociedades democráticas.
Sabe-se que a
palavra do professor só tem poder quando assim é investida pela criança ou o
adolescente na escola. Isso só ocorre quando há transferência psíquica de um
polo a outro, ou seja, quando os jovens atribuem um sentido especial ao mestre
por meio de um diálogo inconsciente. Portanto, esta transferência é o
deslocamento do sentido das pulsões e da libido que, antes dirigidas aos pais,
passam a ser destinadas aos mestres. O próprio Sigmund Freud já havia deixado
claro que os professores são as figuras substitutiva dos pais; não todos, mas esses
ou aqueles escolhidos inconscientemente.
Isto dependendo de cada história de vida, suas relações familiares,
fixações e mecanismos ineficazes de defesa do ego (MIDE).
Os MIDEs são poderosos entraves ao ensino-aprendizagem
e ao saudável posicionamento do aluno diante das regras e valores da sociedade das
quais as escolas são agências. Os MIDEs são aprendidos no seio familiar e
exercidos tanto em casa como no meio social externo de exposição das crianças e
adolescentes. Para não sofrer uma desintegração psíquica diante das tensões
geradas fora das suas zonas de conforto, da cultura local e familiar, o sujeito
lança mão dos mecanismos de defesa do ego, inconscientemente, sendo os mais comuns
deles a projeção, a negação, a repressão, a regressão, a formação reativa e a
racionalização.
Por isto mesmo,
asseveramos que numa unidade escolar, o aluno, esta abstração psicopedagógica,
destinada a facilitar a homogeneização de processos e políticas educacionais,
deve ceder espaço à noção de seres humanos, sejam crianças, adolescentes ou
adultos. Ainda mais se levarmos em consideração a contratransferência, uma via
que revela aquilo que do Outro há em nós mesmos.
O investimento
de poder é proporcional ao desejo gerado pela angústia de não saber sobre as
coisas do mundo, tais como sobre a escola, suas regras, valores e métodos de
fazer e atender às exigências do cotidiano escolar.
É aqui que se
funda a essência do PJ. Depois de investido de poder institucionalizado e
investido de poder simbólico, o mestre precisa “renunciar” a um modelo
pré-determinado de poder, o qual foi incorporado culturalmente e passivamente,
para aceitar o poder que lhe foi conferido pelas crianças e adolescentes com quem
vivencia no espaço escolar. De posse deste poder simbólico, deixa de ser
professor para ser mestre, no sentido de que mestre é aquele que continua
estudando e aprendendo com o seu fazer cotidiano e com o outro. Aprende a dar
destino socialmente aceitável para os conflitos existenciais dos estudantes, que
se manifestam na forma de atitudes dissociais: um dos destinos possíveis é o PJ
e outros projetos educacionais. A partir
daí, o mestre estará investido de poderes para conduzir o aluno em direção à
superação da sua dependência original. Neste caso, a função do mestre é muito
semelhante à dos pais emocionalmente maduros, ou seja, tornarem-se
desnecessários naquilo que não é objetivo meio. Também neste caso, o aluno
deixa de ser uma homogênea abstração pedagógica para ganhar uma real
identidade: a de sujeito detentor de saberes, seja como criança ou como
adolescente. Com o PJ e com tempo, a coerção, como instrumento educacional de
poder, vai cedendo lugar ao convencimento como mecanismo de reeducação e
libertação.
Só consegue
empreender este movimento de investimento no empoderamento do outro quem tem
poder. Na vida de qualquer sujeito, quem é que tem mais poder que as figuras
objetais paternas e maternas? A resposta é simples: o mestre. Por isso mesmo
ganha ele mais proeminência na medida em que é a figura substitutiva das
figuras objetais. Isto pode e deve ser usado em favor da educação e da
reeducação.
Alguns mestres têm
plena consciência deste lugar simbólico em que o aluno o colocou. Um lugar em
que ao mesmo tempo em que ele vai sendo esvaziado enquanto sujeito suposto
saber, vai sendo investido de uma outra forma de poder; esse mais libertário, conforme
o desejo do aluno vai crescendo em diapasão com o desejo do professor pelo seu trabalho. A psicanálise há muito tempo já sabe e
expressou que aquilo que todo mundo sempre muito deseja é o desejo do outro.
Há muito mais da
paixão dos professores pelo seu ofício nos grandes homens de ciências, e até
mesmos dos mestres-escolas, do que os conteúdos e as técnicas ensinadas, pois o
desejo é algo contagiante. Esta relação deve servir não para tornar os
estudantes dependentes, mas para que o mestre ganhe ascendência modelar. Essa perspectiva lhes permitem fazer inferências e ajustes nos projetos de vida dos estudantes ali
onde as figuras objetais paternas e maternas fracassaram, parcial ou
totalmente. Isto acontece o tempo todo, mesmo que os professores não percebam.
Qual é o empecilho ao
investimento de poderes no estudante dentro do PJ, depois que o mestre já tenha
sido investido de poderes pelo próprio aluno? A questão é que não é fácil usar
este poder para libertar um “escravo” que se “escravizou” por vontade própria, inconscientemente.
Novamente, há
aqui um novo ponto de inserção do PJ: um projeto de libertação responsável, que
tende a contagiar os demais alunos. Um projeto cujos valores e ideias devem ser
democráticos, humanamente universais e socialmente aceitos, com extremos
cuidados em não impor valores, ideias e desejos particulares, sob o risco de
produzir o estancamento do poder desejante do próprio estudante.
Considerações Finais
O PJ é assim uma
proposta inovadora e transformadora da relação entre os estudantes, as pessoas
e o espaço escolar. Trata-se de um desejar estar no poder, mas nele estando,
renunciar a este desejo, o qual desconhece.
O PJ é uma ação
coletiva em prol do amadurecimento comportamental e afetivo de todos,
principalmente dos estudantes, contribuindo para libertá-los dos atavismos
paralisantes da tradição. É um salto
para um futuro que gere uma educação possível, mas sem a ilusão de ser total,
já que respeita os limites da sua impossibilidade, imanentes aos desejos do
outro.
Consideramos o
Protagonismo Juvenil um projeto que, levado à cabo como deve realmente ser,
pode oferecer uma oportunidade de ouro para uma abordagem reeducadora dos
mecanismos de defesa do ego, que tanto obstaculizam os processos de
ensino-aprendizagem porque negam, falsificam ou distorcem a realidade com o
objetivo de proteger a autoimagem de cada um.
Os mecanismos de
defesa em uma unidade escolar, sobretudo, manifestam-se na forma de problemas
disciplinares, que a psicanálise prefere chamar de fenômenos dissociais. O PJ
pode contribuir para que a negação, a racionalização, o deslocamento, a
regressão, a formação reativa e outros MIDEs, possam ser substituídos por
mecanismos de defesa eficazes, que estimulem as artes, as ciências e as trocas
políticas verdadeiramente democráticas, tais como a sublimação, a fantasia e a
compensação.
O PJ consegue
implementar atividades nas quais os estudantes possam vivenciar suas fantasias
por meio de situações superadoras de necessidades e desejos que não possam ser
satisfeitas na realidade sem riscos. Os encontros entre professores, alunos e
pais podem e precisam ser algo bem diferente de um muro das lamentações, ou
seja, podem ser valiosas oportunidades para aconselhamentos e esclarecimentos
sobre dúvidas típicas da adolescência e que não são totalmente compreensíveis
para os pais e outros responsáveis. As dramatizações de situações críticas da
vida real e de como sair delas sem colapsar o equilíbrio psíquico são bem-vindas,
tal como se opera no teatro do oprimido.
Fantasia é arte.
A compensação é outro mecanismo de defesa eficaz. Neste caso, o PJ pode
criar campanhas e projetos internos e externos que busquem compensar as
deficiências dos escolares, estimulando-os a procurarem em si aquilo que eles
têm de melhor. A partir daí, as demonstrações desse “melhor de si” conquistados
precisam ser constantemente elogiadas pelos mestres e funcionários.
As ações de um
PJ atuante geram uma mudança de postura por meio da dialogia na medida em que
sua intervenção no meio retorna na forma de um ambiente escolar emocionalmente
e afetivamente positivo. Estas ações proporcionam oportunidades de sublimação,
o mais eficaz dos mecanismos de defesa. Na sublimação, a mente canaliza os
impulsos primitivos do ser humano no sentido da elaboração de uma postura
socialmente útil e aceitável. Esta sublimação pode ser implementada por meio
dos membros do PJ trabalhando conjuntamente com uma equipe pedagógica alinhada
com as características intrínsecas da cultura local, por mais pobre, perversa
e/ou disfuncional que ela possa ser ou parecer.
É neste ponto
que a psicanálise converge decididamente com as teorias psicogênicas da
educação, já que não há sujeito fora da realidade de onde surgiu, assim como
não há ensino e aprendizado que não atente para o dado de que o desenvolvimento
das crianças e suas potencialidades estão condicionados pelo meio no qual elas
nasceram e de como elas emergiram do contato primeiro com os adultos de suas
vidas.
Assim como
expressou Sigmund Freud no prólogo do já clássico “Juventud Desamparada”, de
August Aichhorm, aplicar a psicanálise no campo da pedagogia e do trabalho
social é tentar uma educação psicanalítica, levando em consideração os
trabalhos e descobertas da psicanálise no âmbito da escola e da família, de
forma a fazer do educador uma eficaz figura substituta de uma das figuras
objetais da juventude desamparada. O Protagonismo Juvenil pode fazer a
diferença neste contexto complexo e cheio de produtivas possibilidades.
Sugestões de Leituras
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Gedisa Editoria, 2013
AMORIM, Paulo de
Jesus. Mecanismos de Defesa da Escuridão: Bloqueadores Psíquicos da
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Demográfica. Fundação Odebrecht. Salvador, 1998 (mimeo).
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Carlos Gomes da. Tempo de Crescer - Adolescência, Cidadania e Participação.
Fundação Odebrecht. Salvador, 1998 (mimeo)
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tradução: Paulo Bezerra – 2ª Ed. Ed: WMF Martins Fontes. São Paulo, SP, 2010.
VOLTOLINI,
Rinaldo. Educação e Psicanálise. Rio de Janeiro: Zahaar, 2011.
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A história mostra que a educação sofre inúmeras mudanças conforme a população vai se diferenciando, desenvolvendo e tendo alcances informativos dos mais variáveis. Atualmente não basta decorar para saber, mas tem de se entender o que se é estudado e ainda buscar conhecimento enraizado em si, como o trabalhar e criar em cima de novos contextos que chegam a cada momento e continuamente renovar seu próprio aprendizado.
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