MÃE É UMA SÓ? E SE FOSSEM DUAS?
Por Wagner Menezes - Psicanalista e Historiador
Para a Psicanálise a mãe é algo central. Não existe vida sem uma mãe e ela estará na raiz de todos os dramas futuros de cada ser humano que viveu, vive e ainda viverá.
Para a Psicanálise, a “figura objetal materna” possui grande importância. Ela de fato é ou foi o objeto de amor de cada sujeito. Ela não se confunde com a mãe biológica; elas nem sempre são as mesmas pessoas.
A figura materna é poderosa desde a mais remota antiguidade. No antigo Egito a mãe era representada pela imagem de um abutre. A veneração por uma deusa-mãe era endereçada a deusa "Mut" (mut significa mãe). Trata-se de uma mulher com uma ou mais cabeças, sendo uma delas obrigatoriamente de abutre. Mas havia outras representações, como aquela que associa a deusa Nekheb com a imagem de um abutre de asas abertas a proteger seu preferido, o faraó. Não era uma deusa popular. Contudo, durante o Império Novo (c. 1550 a 1070 a.C.) passou a ser adorada por todos como a protetora das mães e seus filhos, especialmente na hora do parto.
Coincidência ou não, a palavra “mutter” em alemão significa mãe; “mother” em inglês significa mãe; em grego: "mḗtēr; em latim: "mater". Isso parece indicar uma mesma matriz etmológica de raiz indo-europeia. Muito provavelmente, a palavra mãe surgiu dos órgãos e do exercício da maternidade: mamma" (seio) e "mammare" (mamar) em latim.
Por que o abutre acabou virando o símbolo da mãe e da maternidade no Egito Antigo? A hipótese mais provável está ligada à fecundação sacralizada. Os egípcios antigos acreditavam que todos os abutres eram fêmeas e que eram fecundadas em pleno voo pelo vento.
Esse aspecto sacralizado da mãe e da maternidade, chegou aos hebreus em seu cativeiro no Egito; portanto, é muito antigo e foi muito bem aproveitado pelo Cristianismo na história da virgem que foi fecundada sem pecados e da qual nasceu o Salvador. Ela foi fecundada pelo "Espírito Santo", que não por acaso é simbolizado por uma singela pomba no lugar do repulsivo mas altaneiro abutre macho. Temos aí um interessante caso de uma fêmea fecundada por outra fêmea.
Não obstante essa interessante história, mães humanas são seres naturalmente habilitadas para a fecundação e reprodução da espécie humana.
Contudo, a ideia de que a mãe é um ser infalível, imaculado, perfeito e destino obrigatório do amor de seus filhos, tem trazido mais prejuízos do que vantagens para ambos. A “obrigação” de amar uma mãe que não se colocou nessa posição simbólica ou material, gera uma culpa quase paralisante.
Sacralizar a mãe é desumanizá-la. Santificar a mãe é jogar sobre ela uma carga de responsabilidades psíquicas, físicas, afetivas e emocionais demasiadamente grandes para um mortal. Muitas não conseguem suportar e sucumbem como mães...
Como todos são frutos de sua própria história e dos desejos dos seus pais, nem todas as mulheres receberam da sua própria criação os melhores afetos, as habilidades e as competências fundamentais para o exercício pleno da maternidade.
Sendo assim, os filhos podem aprender a entender os limites de suas mães, humanizando-as, conhecendo suas histórias de vitórias e derrotas; de alegrias e tristezas. Já as mães devem aceitar os limites dos seus filhos como sendo parte de suas próprias histórias.
Talvez, fazendo isso, mães e filhos possam sair dessa representação social e cultural autoritária, historicamente determinada e, portanto variante com o tempo, e se olharem como seres humanos de mesmas medidas; seres que precisam de acolhimento, conforto e atenção, mesmo que em casos extremos de incompatibilidades, respeitosamente mantenham a civilidade e o respeito, esquecendo-se como tal e seguindo em frente, sem culpas e ressentimentos, porque se veem como humanos demasiadamente humanos.
Para aquelas que não foram mães biológicas, acreditem: vocês, muito provavelmente, são “figuras objetais maternas” de alguém e, portanto, são tão ou mais responsáveis que a biológica e estão plenas de representação materna, possuindo grandes poderes... Esse é o caso das professoras e até professores. Para os seus alunos, elas são representações psíquicas substitutivas das figuras objetais maternas ou paternas em função do fenômeno da transferência psíquica, queiram ou não, como já explicou Sigmund Freud.
Por derradeiro, para todas aquelas mulheres que pretendem ser uma boa mãe, a dica é irem se tornando desnecessárias na vida do seu filho para que eles se tornem independentes, seguros, senhores de suas próprias vidas e desejos. Tudo isso com amor e interdição nas medidas e no tempos corretos.
Transcrevo aqui uma das mais belas passagens das Obras Completas de Sigmund Freud como meu presente especial para as mães das minhas redes sociais e todas as outras mães que porventura venham a passar os olhos sobre essas palavras e se aperceberem do seu poder para a construção ou a destruição de pessoas e futuros...
Bom domingo, mães e filhos! Sigam em frente!
Vamos em frente!
“Tenho verificado que as pessoas que sabem que são as preferidas ou favorecidas pela mãe dão mostras, em suas vidas, de uma autoconfiança peculiar e de um inabalável otimismo, que muitas vezes parecem atributos heróicos e trazem um êxito real a seus possuidores”. Freud, Sigmund. A interpretação dos Sonhos. Vol. V. Edição Standard Brasileira Obras Completas da. Rio de Janeiro : Imago, p.432.
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