A CONSCIÊNCIA TRÁGICA DAS RELAÇÕES DESPROPORCIONAIS
(Wagner Chagas de Menezes – Psicanalista e Historiador)
Apresentação
Recentemente ouvi pedidos de dicas sobre o tema da paixão e das relações desproporcionais de amizade. O que vou escrever tem muito mais a ver sobre o enamoramento, porém também se aplica às relações entre amigos e familiares. A rigor, estamos interessados naquelas relações de amizade ou enamoramento nas quais um dos lados é indiferente ao outro, parcial ou totalmente.[i]
E o que significa indiferença? É um sentimento de insensibilidade pelo outro; de apatia pelas suas coisas e situações. Nesses casos, não devemos fazer juízo negativo de valor do polo dito “insensível” por isso, já que seu poder não é imanente, mas lhe foi outorgado pelo outro de alguma forma.
Esse outro pode ser um amigo(a) ou uma pessoa pela qual alguém está enamorado. As relações filoafetivas desproporcionais trazem bastantes desconfortos para a parte que ainda não tenha adquirido alguma consciência dessa relação de poder, já que o contrário do amor não é o ódio, mas o poder. E foi com o intuito de trazer alguma luz sobre esse tema que esse texto foi escrito.
Retificação Subjetiva como aferição da realidade nas relações filoafetivas
Chamarei de relação filoafetiva toda e qualquer relação que tenha como fundamentação aquilo que Freud chamou de “instintos sociais”. Tais instintos são as formas sublimadas de relação sexual posterior à atração sexual sem o coito. O que os separam dos instintos sexuais é a não ênfase do coito como o principal fundamento da permanência na relação. Freud chamou a esses impulsos de “Impulso Sexuais Inibidos Quanto a Objetivo”. Daí que para ele as relações afetuosas entre pais e filhos, os sentimentos de amizade e os laços emocionais do casamento tem sua origem na atração sexual. Tal atração é reprimida por resistências internas provenientes da entrada dos indivíduos no âmbito da cultura (kultur = civilização), algo necessário para que haja o desenvolvimento da civilização. Por fim, tais impulsos sexuais são sublimados, mantendo algo daquela satisfação corpórea. É devido a esses instintos sociais que as relações de amizade e de amor podem se tornar firmes e permanentes. Freud foi claro e objetivo quanto a esse assunto:
“Impulsos Sexuais Inibidos quanto ao Objetivo. – Os instintos sociais pertencem a uma classe de impulsos instintuais que prescindem serem descritos como sublimados, embora estejam estreitamente relacionados com estes. Não abandonaram seus objetivos diretamente sexuais, mas são impedidos, por resistências internas, de alcançá-los; contentam-se com certas aproximações à satisfação e, por essa própria razão, conduzem a ligações especialmente firmes e permanentes entre os seres humanos. A essa classe pertencem em particular as relações afetuosas entre pais e filhos, que originalmente eram inteiramente sexuais, os sentimentos de amizade e os laços emocionais no casamento que tem sua origem na atração sexual.”[ii]
Portanto, quando o escritor e colunista Paulo Sant’Ana escreveu que “a amizade é um sentimento mais nobre do que o amor” (“Meus secretos amigos”), podemos depreender que estava querendo dizer que na amizade a libido havia se dirigido para objetos de natureza sexual não eróticos, ou seja, os sentimentos haviam sido sublimados. Daí termos colocado amizade e o amor, assim como sua manifestação mais instintual, a paixão, como instintos sociais filoafetivos.
Obviamente, psicanalistas não devem dar conselhos. Conselhos quando acertam infantilizam o aconselhado; quando erram desmoralizam o aconselhador. Mas podemos usar da segunda fase do processo de análise, conhecida como retificação subjetiva, para pontuar aquilo que é imaginação e fantasia, separando-as da realidade, tanto nas relações de paixão como nas relações filiais quando ocorre uma assimetria relacional.
Por meio da retificação subjetiva podemos encaminhar o sujeito a perceber de que formas ele está implicado nos seus próprios sintomas exatamente por negá-los. Essa negação é fruto da resistência do Eu em revelar o material reprimido. Trata-se da resistência em ver a realidade como ela é, até mesmo repetindo os mesmos erros na vã esperança de obter um resultado diferente a cada tentativa. Esse movimento nos diz muito mais de conteúdos reprimidos ou recalcados do que da história corrente, a qual é apenas uma representação daqueles conteúdos.
Com algum tempo de análise, um analisando por aprender a fazer a própria retificação subjetiva; algo que no princípio era feito com as pontuações do analista. Desta forma, o sujeito assume responsabilidades frente aos seus sintomas e seu mal-estar, ainda que o outro lado da relação tenha alguma responsabilidade por outorga. A retificação subjetiva permite que o Eu, enquanto precipitação de camadas de identificações bem e mal-sucedidas ao longo da vida, vá rompendo com a necessidade narcísica de sobrevivência de sua identidade por meio da preservação e alimentação de muitas de suas ilusões. Essas tentativas previamente fracassadas de se sentir pleno pela ação ou fusão com o outro, doando ou aceitando qualquer tratamento, não o permite ver a falta que há no centro de qualquer ser, o que acaba levando ao fracasso das sucessivas tentativas de unificação subjetiva.
Isso significa contribuir para o sujeito assumir uma atitude consciente nas relações filoafetivas por meio do entendimento das raízes inconscientes do seu sentimento. Metodologicamente, significa partir do dito e não-dito para realçar o não-visto, ou seja, interpretar. Lacan nos ensinou esse caminho: a retificação subjetiva é dialética porque parte do que o sujeito diz para voltar a ele próprio de forma interpretada. Daí que por meio da retificação subjetiva, assim como o analista procede com o analisando, o sujeito pode proceder consigo mesmo. Obviamente, isso exige um esforço pessoal muito maior, o qual basicamente dependerá do nível de envolvimento emocional ao qual está subjugado; do cabedal cultural pessoal e familiar afetivo já adquirido e, no meu entendimento, de algum conhecimento de si por meio de uma psicoterapia que o leve a adquirir conhecimento dos mecanismos de funcionamento da sua psique. E como se pode fazer isto?
Aqui podemos lançar mão do princípio da razão suficiente para o qual se algo acontece é porque tem uma razão suficiente para ter acontecido e uma explicação suficientemente boa de suas causas para aquele nível de consciência do sujeito. Para a psicanálise essa “razão” é do nível inconsciente e se apresenta na forma de sintoma para quem ainda não adquiriu conhecimentos sobre o funcionamento do seu inconsciente, sendo que a paixão é um desses sintomas. (Cf. Miller, 1999 : 255); daí que o papel da análise e fazer consciente o que é inconsciente; trazer à superfície.
Esse princípio permite a uma das partes anabolizar a realidade da relação para vê-la como ela realmente é. O caminho é escancarar o real, provocar o ato, elencando as práticas do outro como o critério da verdade e deixando surgir as situações para que o outro passe do discurso ao ato. O objetivo é separar a relação, como ela é de fato, da forma como é idealizada. Parafraseando a peça de Luigi Pirandello (1917) – “Assim é (se lhe parece)” – é fazer o que “parece ser” vir à tona e “ser” de fato. Devemos levar em consideração que aquilo que se chama realidade, está envolto em aspectos ideológicos de todos os matizes, sejam eles políticos, psicológicos (realidade psíquica), filosóficos, religiosos entre outros. Já o real só é empiricamente tangível por meio dos seus resultados concretos. Posto isso em movimento, deve-se estar preparado para quando as duas verdades entrarem em choque e o real se mostrar em toda sua beleza ou crueza.
Nove histórias
Como podemos identificar a não reciprocidade nesses casos? Pode-se começar fazendo uma lista das incoerências entre os discursos e as atitudes de uma das partes e observar se ela corresponde às expectativas da outra parte. Em tese, isso possibilitará um laboratório em movimento: o consciente fará umas das partes dizer uma coisa e o inconsciente fará o corpo executar outra coisa: o corpo fala e muito! Relatarei alguns detalhes de histórias que tenho ouvido fora do divã.
Caso 1: Sabina (já relatei uma história dela em outro texto...[iii]) apaixonou-se novamente por outra pessoa de nome Carlos. Duas paixões em um intervalo de tempo menor que 12 meses. Ela relatou que, não obstante a sua atenção, o objeto da sua paixão dizia também estar apaixonado, mas nas redes sociais não curtia praticamente nada das suas intervenções positivas nas postagens dele.
Caso 2: Maria passou a ter um interesse especial em João e fazia tudo para agradá-lo: marcava dar caronas a João, mesmo fora do seu horário habitual. Comumente, João não aparecia e dava-lhe alguma desculpa. De vez em quando João dizia estar com saudades de Maria, mas não fazia esforço algum para vê-la. Maria se lembrava de todas as datas importantes para João e o presenteava; João não se lembrava das datas de Maria e, quando se lembrava, não lhe presenteava com nada por mais simples lembrança que fosse, nem mesmo uma ligação;
Caso 3: Flávia fazia de tudo para chamar a atenção de Michele: era atenciosa, levava lanches para ela no trabalho, mudava seu horário (atrasava-se, esperava, esticava o tempo) para possibilitar um encontro e poder conversar. Michele raramente fazia o mesmo e, quando o fazia, limitava-se a só falar dela e seus problemas, como se Flávia fosse um confessionário. Michele nunca falava deles, mas de outras coisas e pessoas;
Caso 4: Heloísa está “ficando” com Eduardo. Eduardo só é carinhoso na hora das relações sexuais. Quando estão sob o mesmo teto, mas não sobre a cama, Heloísa sente que para Eduardo parece que ela não está ali. Quando Heloísa reclama, Eduardo faz uma espécie de gaslightining e diz que Heloísa “está maluca...vendo coisas”.
Caso 5: Fernanda é casada e está apaixonada por Flávio, mas Flávio fala demais e se interessa pouco pela história da Fernanda, chegando a demonstrar certo enfado quando Fernanda interrompe e começa a contar suas histórias. Fernanda faz tudo para ajudar Flávio, apoiando-o em suas decisões, fazendo por ele aquilo que ele diz estar enrolado de tempo para fazer; é praticamente uma corte, mas deve estar sendo vista pelo outro como bajulação. Flávio foi visitar parentes no interior de São Paulo. Uma semana antes de voltar, Flávio mandou mensagem por um aplicativo para Fernanda dizendo que estava com muitas saudades de Fernanda e vontade de vê-la; Flavio chegou de viagem e disse que queria ver Fernanda, mas “na semana seguinte” (sic). A tal semana passou e Flavio não procurou Fernanda para “matar a saudade”. Então podemos perguntar: que “saudade” era essa?
Caso 6: Leonardo estava apaixonado por Carlos. Carlos convidou Leonardo para irem ao cinema durante a semana. Leonardo teve que rearranjar seus horários para coincidir com a disponibilidade de Carlos. Mesmo tendo sido Carlos quem convidou Leonardo, ele não apareceu no horário e local acertado. Leonardo pensando ter acontecido algo grave com Carlos, mandou uma mensagem dizendo que já estava no local, com cinco minutos de antecedência. Carlos disse que se esqueceu do compromisso, pediu desculpas e disse que não estava se sentindo bem. O que ficou patente é que Carlos disse que “não estava bem” depois de ter dito que “havia esquecido”. A ordem das falas quase sempre são a ordem dos fatos. Em nenhum momento Carlos lembrou de que deveria ter ligado para desmarcar o compromisso a tempo. Carlos repetiu esse “esquecimento” em diversas outras situações, deixando Carlos em situação constrangedora. Carlos cobrou coerência de Leonardo. Leonardo quando não só se limita a pedir eternas desculpas, como acusa Carlos de não o compreender; de o pressionar e até de manipular sua “culpa”, jogando-o para baixo. Essa atitude de Leonardo o deixa desconcertado, inicialmente achando que ele mesmo era o responsável, quando claramente ele é que é a vítima. Carlos decidiu não mais gratificar o gozo de Leonardo se afastando dele...
Caso 7: Mag é amiga de Magali. Mag mora em um país estrangeiro e mantém frequente comunicação com Magali via aplicativos de comunicação e até conversas telefônicas. Magali diz que sente saudades de Mag e pede para que ela ligue assim que chegar porque quer vê-la. Uma das primeiras coisas que Mag faz ao pisar no aeroporto é ligar para Magali e agendar um encontro e conversar. Magali sempre tem uma desculpa para que isso não ocorra. Mag continua insistindo mais alguns dias, sem sucesso. Mag então decide deixar por conta da agenda de Magali a marcação de um encontro. As férias de Mag acabam e ela volta para o país onde reside e Magali retorna ao discurso do “precisamos nos ver”.
Caso 8: Pedro namora com Nicole. No Dia dos
Namorados de 2019 pedro é abordado pela produção do programa “Mais Você” e é
convidado a fazer um jantar romântico surpresa para a namorada. Até o momento
de se encontrar com Pedro, Nicole estava animada, educada e sorridente ao lado
da repórter que a abordou, mas não sabia exatamente do que se tratava. Nicole
argumentava que não gostaria de participar do programa porque havia chegado de
viagem de trabalho e ainda deveria ficar trabalhando com o chefe até avançada
hora da noite.
A produção do programa decide esperar ela terminar o trabalho e garantir o
episódio.
Contudo, o seu humor mudou radicalmente ao ter a venda retirada e ver que quem
a esperava era o próprio namorado. Neste momento, Nicole faz uma cara de
repulsa. Daí em diante, o jantar ocorreu em um clima de hostilidade por parte
da Nicole, que não conseguia esconder estar bastante contrariada e muito
incomodada por estar ali em um jantar romântico, todo produzido com o próprio
namorado, sem custo algum. Mesmo sabendo que o jantar está sendo transmitido
para todo o Brasil, Nicole não consegue disfarçar seu incômodo e continua
ironizando e desprezando o Pedro diante das câmaras. O comportamento do Pedro é
tão constrangedor quanto o da Nicole. Ele ficou tão desconcertado que
praticamente responde aos sarcasmos da Nicole de cabeça baixa, falando
baixinho, tal qual uma criança humilhada. (Este vídeo está disponível em https://globoplay.globo.com/v/7686465/);
Caso 9: Jair nunca escondeu que tipo de personalidade encarnava (homofóbico, racista, machista, sexista, escatológico, ignorante, xenófobo, preconceituoso, negacionista, paranóico, mentiroso, mandrião, oportunista, insensível, despudorado e muito mais). Jair nunca prometeu desenvolvimento; pleno emprego; defesa do patrimônio nacional, incluindo nesse conceito o bem-estar físico, material e emocional de todos os nacionais; saúde e educação universais; ciência como prioridade estratégica de Estado. João, Maria, Pedro, Antonio e muitos mais, perderam seus empregos, viram sua renda real cair 11% em 24 meses, tiveram suas aposentadorias adiadas por pelo menos mais 10 anos, viram seus amigos terem o trabalho precarizado, assistiram o descaso com a saúde pública, testemunharam os ataques às instituições da democracia, ouviram as exaltações às ideias e práticas ditatoriais e muito mais. Contudo, como seguidores, continuam achando que Jair é a luz no fim do túnel, o pote de ouro do outro lado do arco-íris.
O que há em comum em todas essas histórias? Todas essas histórias são relatos de assimetrias relacionais. Só na aparência é que elas não acarretam danos. Numa relação assimétrica, uma das partes pode sofrer com o descaso; sua estima fica fragilizada; tende a achar que o problema é com ela e isso afeta ainda mais a sua autoestima.
Apenas um número ínfimo de pessoas que passa por essas experiências de relações desproporcionais são capazes de ver que não havia reciprocidade na relação, fosse ela de paixão, de amizade e até política. Os que começaram a perceber isso, ainda que levemente, estavam atingindo aquilo que chamamos de “consciência trágica”, ou seja, percebe-se o que e como está ocorrendo, porém não tem forças para tomar uma decisão. Este pequeno grupo relatou que começou a desconfiar porque a relação gerava emoções contraditórias: euforia e angústia; alegria e desconfiança. Já a maior parte das pessoas nem mesmo isso conseguia perceber: principalmente os apaixonados(as). Estes ainda estavam sob os efeitos do apagão do córtex pré-frontal e eram incapazes de se ver na armadilha preparada pelas pressões da natureza e suas exigências instintuais de preservação e reprodução da espécie; os amigos, por uma questão de baixa estima ou com receio de magoar o outro(a), ainda não sabiam bem o que fazer.
A Consciência Trágica
A consciência trágica é um estágio de transição do processo analítico em que há uma concomitante suspensão do tempo. Nela, parece que o tempo parou em um ponto muito sutil que não é passado, não é futuro e nem é presente, mas um cruzamento mítico entre eles.
Na consciência trágica os sujeitos encontram-se no umbral entre acreditar e viver a ilusão ou escancarar a sua realidade de forma crítica e autorreflexiva, implicando-se nos fatos e em seus próprios sintomas. Nesse caso, o sujeito se fez objeto.
A consciência trágica é o limiar do nascimento da consciência crítica sobre si e sobre o mundo que o cerca. Contudo, na consciência trágica, a consciência crítica sobre si ainda não se traduziu em práxis, ou seja, em ação transformadora da sua própria vida e de sua visão de mundo.
Na sua forma mítica, a consciência trágica é um momento solitário e situa-se, exatamente, sob o umbral da caverna de Platão. Nela, o mundo novo e a vida nova que se vislumbra é uma incógnita, mesmo o sujeito tenha certeza de que o que ele via nos reflexos bruxuleantes no interior da caverna não era um mundo de criaturas terríveis. Contudo, na consciência trágica, ele tem a nítida certeza de que retornar ao interior da caverna será um retrocesso e significará a sua morte simbólica. Ao chegar exatamente sob o portal da sua vida, que separa o velho homem do novo homem, esse sujeito conheceu a si mesmo como nenhum outro; tem a consciência apurada dos aspectos trágicos da sua vida, daquilo que não controla, e tem a oportunidade de dar um passo à frente, estabelecendo um outro padrão de comportamento; de solução de problemas; de trato com os próprios desejos e com os outros.
A consciência trágica constitui-se exatamente na exata noção que o sujeito tem dos seus desejos, do funcionamento do seu aparelho psíquico no que diz respeito às relações entre os três sistemas e as três instâncias: o inconsciente, o pré-consciente e o consciente; o id, o ego e o superego.
A consciência trágica é saber como e em que situações funciona a sua própria neurose; saber que ela ainda está lá, porém não mais o domina; que ele não está mais sujeito à compulsão à repetição, pois ele (ela) passou a ser o senhor de si e faz escolhas conscientes e sem ilusões, ainda que pontualmente, objetivamente e conscientemente queira vivenciá-la assim mesmo.
A consciência trágica é reconhecer a tragicidade da própria vida e seus limites, sem alimentar fantasias inúteis, e mesmo assim, seguir em frente encarando a realidade exatamente como ela é. O Homem encontra-se em consciência trágica quando, depois de um certo e individual tempo de análise, sabe do seu inconsciente e então se conhece profundamente, mas nunca completamente; sabe o que tem que fazer, supera a sua paralisia diante das descobertas sobre si, vai à vida e faz acontecer. Essa consciência trágica também é um estágio de transição do processo analítico.
Algumas considerações Finais
Então fica a pergunta: o que fazer? Para responder a esta questão deve se levar em consideração que em toda a atividade há uma energia libidinal empenhada. Libido é a energia criativa do instinto sexual. Por um lado ela é limitada: uma vez usada em determinado empenho, seja numa relação afeto, seja de paixão, amor ou amizade, especialmente as desproporcionais, ela se foi, ainda que haja alguma experimentação de prazer quando o objetivo é atingido. Em outras palavras, qualquer relação empenha algum nível de libido que ativa o sistema de recompensa do cérebro. Mas se o empenho não gerar recompensa, gerará o que? Vem muito daí a sensação de tempo perdido, frustração e até de angústia, experimentada por muita gente quando os devaneios de uma relação afetiva e social se vão e as ilusões escorrem por água abaixo.
Para aqueles que já perceberam onde estão metidos, cabe provocar a realidade dos fatos; isso significa oportunizar à relação o máximo de experiências possíveis em que já se tenha percebido o descrito padrão de comportamento assimétrico da outra parte. Isso só serve para tirar a prova dos nove.
Feito isso, exponha-se para expor a outra parte as suas razões de forma embasada, mostrando o seu empenho e a não reciprocidade; não espere muito que isso venha a ser reconhecido ou modifique a situação. O objetivo é ser sincero consigo mesmo e não alimentar mais as suas próprias expectativas. Isso pode magoar? Sim, magoar às vezes é inevitável. Pode acabar mal, afastando ou findando o relacionamento? Sim; algumas coisas que não estão dando certo só acabam mesmo quando acabam mal. De qualquer forma, não se deve alimentar nenhuma ilusão de que é possível controlar o desejo do outro, mesmo porque muita gente não reconhece muito bem o que deseja e desejos são mesmo volúveis no tempo e no espaço porque são inexequíveis em perenidade; eles vem e vão.
Algumas Notas
i Sobre o que acontece quando acaba a paixão, sugiro ler: https://www.facebook.com/notes/wagner-chagas-de-menezes/afrodite-eros-e-psiqu%C3%A9-no-div%C3%A3-o-que-pode-acontecer-quando-acaba-a-paix%C3%A3o/2257815161202975/
ii FREUD, Sigmund. Impulsos Sexuais Inibidos quanto ao Objetivo. VOL. XVIII – DOIS VERBETES DE ENCICLOPÉDIA (1923 [1922])
iii Sobre esta história, ler: https://www.facebook.com/notes/psican%C3%A1lise-e-sa%C3%BAde-mental/sabina-est%C3%A1-apaixonada-pelo-analista-e-agora-o-amor-transferencial-ou-quando-ero/1837542723228273/
iv MILLER, Jacques-Allain. Introdução ao inconsciente (1987) In: Lacan elucidado: palestras no Brasil. Jorge Zahar Editor: Rio de Janeiro, 1999.
v Sobre um exemplo de consciência trágica na literatura ver: https://www.facebook.com/notes/wagner-chagas-de-menezes-psican%C3%A1lise/a-consci%C3%AAncia-tr%C3%A1gica-para-a-psican%C3%A1lise/2517076671943488
Comentários
Postar um comentário